Nessa quinta-feira, dia 16 de julho de 2020, Will Hobson, repórter do Washington Post, publicou uma extensa matéria que descreveu, em detalhes, as acusações de mais de 15 mulheres contra ex-funcionários dos Redskins. Elas giram em torno de abusos verbais e assédio sexual, como constantes elogios ao corpo de funcionárias, solicitações para que elas vestissem roupas mais curtas e apertadas em reuniões com sócios e que flertassem com eles, além de repetidos “pedidos de namoro”. Nesse texto, você lerá uma tradução indireta de tudo que foi relatado, além da minha opinião do que será daqui para frente. Sugiro você sentar, porque não será fácil digerir tudo.

Os relatos

O principal foco da reportagem é Emily Applegate, que trabalhou como coordenadora de marketing no time entre 2014 e 2015. Ela decidiu revelar seu nome, enquanto as outras preferiram manter o anonimato, por medo de represálias. Ao encerrarem seu tempo em Washington, elas assinaram um Termo de Confidencialidade, que as impedem de falar algo negativo que passaram em seus empregos, sob pena de uma multa – e, mesmo a pedidos do jornal, a franquia não abriu mão das ameaças de processo. Os relatos vão de 2006 a 2019 (o que inclui a maior parte do tempo que Snyder foi dono) e envolve mais de 40 ex-funcionários, além de mensagens trocadas e documentos internos.

Ela começa contando que, depois de alguns meses trabalhando lá, ela estabeleceu uma rotina diária de encontrar outra funcionária mulher no banheiro, durante as pausas para o almoço, e chorar diante da situação frequente de assédio sexual e abuso verbal. Ela fala que o ex-chefe de operações executivas, Mitch Gershman, a atacava verbalmente, a chamando de “f*********e estúpida” e depois a pedindo para usar um vestido muito apertado em reuniões com sócios, para que “os homens tivessem para onde olhar.” Além disso, um deles apertou as nádegas de uma das amigas dela durante o jogo. Mais que tudo, ela diz que chorava porque sentia que não era ouvida – os executivos com altos cargos ignoravam as reclamações e, algumas vezes, chegavam a condená-las.

As acusações envolvem homens de alto cargo e/ou importância dentro do time: Alex Santos, o ex-diretor de contratação de pessoal no time; Richard Mann II, ex-assistente de Santos; Larry Michael, comentarista e conhecido como “a voz do Washington Redskins”; Dennis Greene, ex-presidente de operações de negócio; Mitch Gershman, ex-chefe de operações executivas. Alex Santos e Richard Mann II foram demitidos no domingo, dia 12 de julho, depois do WaPo ter procurado a franquia, pedindo um posicionamento diante das acusações. Larry Michael se aposentou na quarta, dia 15, também depois de ter sido procurado pelo jornal. Mitch Gershman saiu do time em 2015 e Dennis Greene em 2018, este último após matéria do New York Times sobre o escândalo envolvendo as cheerleaders do time em viagem para a Costa Rica. Para quem não lembra, ele vendeu sessões de fotos delas seminuas como parte de um pacote premium.

Começando por Alex Santos, que foi acusado por seis ex-funcionárias e duas repórteres de comentários inapropriados sobre os corpos delas, além de perguntas se elas estavam interessadas em namorar com ele. Em 2019, ele passou por uma investigação interna depois de a repórter do The Athletic, Rhiannon Walker, falar, em entrevista ao WaPo, que ele a abordou, a disse que “a bunda dela era grande que nem um caminhão” e pedir para ela namorá-lo. Nora Princiotti, uma repórter do The Ring, também disse que entrevista que foi assediada por Santos. Ele decidiu não comentar as alegações.

Em uma troca de mensagens obtida pelo WaPo, Richard Mann II diz para uma funcionária que ele e alguns colegas estavam discutindo se os seios dela eram naturais ou se ela colocou silicone. Em outra mensagem para outra pessoa, ele disse que queria dar um “abraço inapropriado nela” e que “não era para ela se preocupar, pois só teria um grampeador no bolso dele, nada mais.” Ele também preferiu não se pronunciar.

Larry Michael foi acusado por sete ex-funcionárias de fazer comentários constantes sobre a aparência física de colegas, em tons sexuais e depreciativos. Em 2018, ele foi pego falando sobre uma universitária, que estava trabalhando como interna, segundo seis pessoas que ouviram os áudios vazados. Ele declinou o pedido de entrevista.

Dennis Greene foi acusado de ter implorado para funcionárias usarem saias curtas e apertadas e flertarem com sócios ricos, de acordo com cinco funcionárias. Ele também preferiu não comentar nada.

E, por fim, Mitch Gershman foi acusado por Applegate de ter repreendido ela várias vezes por problemas triviais, como quando a impressora parou de funcionar, além de ter feito comentários indevidos sobre o corpo dela. Por telefone, ele negou as acusações, dizendo que “mal lembra quem ela é, que achava que os Redskins eram um lugar ótimo para trabalhar e que pede desculpas a todos que acharam que ele abusou verbalmente.”

Ninguém acusou Dan Snyder, atual dono do time, nem Bruce Allen, ex-presidente, de comportamento inapropriado direcionado a mulheres, mas elas duvidam de que eles não sabiam de nada. Applegate disse, inclusive, que a mesa de Allen era a menos de 10 metros da dela e que ele via ela chorando várias vezes ao dia. Allen não respondeu os pedidos de entrevista.

Embora Snyder não tenha sido acusado de assédio, as mulheres relataram que os Recursos Humanos do time eram péssimos e que elas não se sentiam à vontade de denunciar nada, pois nunca lhes fora explicado como reportar algo do tipo. Além disso, ele abusava verbalmente de seus funcionários, menosprezando executivos, gerando um ambiente tóxico e hostil. Um dos exemplos que citam é quanto a Greene, que foi cheerleader na universidade: segundo uma das entrevistadas, após uma reunião, Snyder pediu a Greene para dar piruetas para entreter as pessoas na sala.

Applegate disse que trabalhar nos Redskins foi a pior experiência da vida dela, e que ninguém denunciava porque, quando reclamavam, escutavam que tinham “mais de 1000 pessoas lá fora querendo o emprego delas.”

Fica pior

Dessa parte da reportagem para frente, é destrinchado tudo o que foi relatado agora, em mais exemplos. Isso suporta as acusações e provam que Snyder e Allen ignoravam tudo. Um bom caso é o fato de que havia uma escada de acrílico nas instalações da franquia, que funcionários ficavam embaixo para olhar por debaixo das saias das mulheres. As novas contratadas normalmente recebiam orientações “por fora do que era padrão” sobre como lidar com todo o ambiente de assédio e uma das recomendações era ficar longe dessa escada. Uma das entrevistadas não sabia disso e, um dia, pegou um membro da comissão técnica seguindo os passos dela enquanto olhava tudo.

Rhiannon Walker, antes já citada, acusou Alex Santos de a assediar em frente a muitas pessoas em um famoso bar, o Prime 47, em Indianápolis durante o Combine. Ele é muito frequentado nessa época e, lá ele disse a ela “que queria arrancar as roupas dela” e a perguntou se ela queria namorar com ele – mesmo ele sendo casado e ela tendo uma namorada. Princiotti, também já citada, disse que ele, um dia, a seguiu nas instalações do time com seu carro, gritando que ela “tinha uma linda bunda para uma branca” e que ela “deveria usar menos roupas.” Ela disse que, certa vez, um funcionário a contou que o apelido dela dentro da franquia de Washington era “Princihottie”, que, em português, tem a conotação de “Princiotti gostosa.”

Procurado pelo jornal, o time de Washington alegou que contratou uma equipe de advogados, liderada por Beth Wilkinson, para rever políticas de conduta e alegações de problemas de comportamento dentro do time. Além disso, Mann e Santos foram demitidos essa semana.

Posicionamento da NFL

Na sexta-feira, dia 17 de julho de 2020, o insider Ian Rapoport publicou, em seu Twitter, uma declaração da NFL diante das alegações.

Twitter publicado por Ian Rapoport.

Nesse posicionamento, a Liga afirma que as acusações são sérias e que todo mundo tem o direito de trabalhar em ambientes sem qualquer tipo de abuso. Também ressalta a decisão de Washington de contratar advogados para apurar as alegações e que ela irá se encontrar com eles, quando as investigações acabarem. Ian Rapoport afirmou num tweet seguinte que acredita que a última linha da declaração, que afirma que a NFL vai tomar alguma ação baseado nas conclusões chegadas, pode indicar que o time vá ser punido pelo que aconteceu.

E agora?

Certo, até agora você leu uma tradução indireta e explicada do que o Washington Post publicou. Daqui para frente será a minha opinião do que vai acontecer com a franquia e com a NFL.

A primeira coisa que eu queria pontuar é que esse relato não é o primeiro nem vai ser o último de assédio sexual dentro dos esportes como um geral. Ler aquele texto me rasgou por dentro, mas a surpresa foi zero – e eu sinceramente não entendi quem se espantou. A NFL não vive numa bolha excluída da realidade. Muito pelo contrário, ela reflete diretamente tudo o que acontece. Protestos contra a violência policial explodindo nos EUA e no mundo? Alguns jogadores se posicionam a favor e participam diretamente das manifestações, enquanto outros preferem dizer que “todas as vidas importam”. Soa familiar? Pois é.

Nós não vivemos numa sociedade bonitinha, na qual mulheres são respeitadas e têm espaço no ambiente de trabalho. A todo tempo, somos menosprezadas por sermos mulheres, duvidam de nossa capacidade intelectual e abusam de nossos corpos, muitas vezes usando a autoridade de um cargo superior. E caso você ache que esse é um caso isolado, eu tenho uma coisa para te contar: não é. O caso das cheerleaders de Washington, que saiu em 2018, que precisavam posar seminuas em sessões de fotos em 2013 é uma boa amostra. Por que o time só contratou uma equipe de advogados para “revisar políticas de conduta” agora? Isso sem contar os inúmeros jogadores que continuam em campo depois de terem sido envolvidos em acusações sérias de violência doméstica e estupro. O RB Kareem Hunt é um exemplo fresco na memória de todo mundo: mesmo depois de um vídeo dele chutando uma mulher que estava no chão ter vazado, ele foi contratado pelos Browns.

Isso não acontece só em Washington, mas em toda a NFL. Toda. Pergunte a qualquer mulher que já trabalhou na Liga, desde jornalista até assistente de marketing – ela vai ter uma história de abuso verbal por homens que ela entrevistou ou foi chefiada por.

A minha esperança é que esse caso possa incentivar outras denúncias – algo como o #MeToo, que se tornou um movimento gigantesco nos Estados Unidos e motivou outras mulheres a contarem suas histórias de abuso verbal e/ou sexual. Algo que realmente abale as estruturas da Liga e faça jogadores, membros da comissão técnica, funcionários, donos de franquia, jornalistas, torcedores e todos aqueles que estão direta e indiretamente envolvidos com o esporte repensarem suas visões de mundo e atitudes. Que abra os olhos de GMs e os faça entender que não é certo manter, em suas franquias, jogadores com histórico de acusações de violência doméstica, assédio, estupro ou qualquer outro abuso contra mulheres. “Poxa, mas ele não merece uma segunda chance?” Não dentro de uma liga bilionária, na qual os jogadores são exemplos para crianças. Que tipo de ideia você passa para as próximas gerações quando você mantém, sob contrato milionário, atletas envolvidos nisso?

Eu realmente acho que essa matéria pode incentivar muitas outras. Pode motivar mulheres a contar suas histórias. Mas não vejo ela gerando grandes mudanças na Liga. Cheguei num ponto de que me tornei cética demais diante das atitudes da NFL quanto a essa questão. O Washington Redskins não liberou mulheres de contarem suas histórias e continuou com as ameaças de processo. Mas eu tenho esperança.

A segunda coisa – que eu também não vejo acontecendo – é uma investigação geral. O Prime 47, citado na reportagem, é frequentado por muita gente durante o Combine (inclusive jornalistas e gente do alto staff das franquias). Muita gente que via tudo aquilo acontecendo e não fazia nada. Esse não é um caso isolado e isso precisa ser olhado a fundo, e os culpados punidos devidamente – não só com a demissão, mas com a cadeia.

Por fim, (isso eu vejo acontecendo) está na hora da NFL intervir em Washington da mesma forma que interviu nos Panthers: colocando a franquia à venda de forma forçada. Não tem condição nenhuma de Dan Snyder continuar à frente dela: anos ignorando a necessidade de troca do segundo nome do time, todo o escândalo, em 2013, envolvendo as cheerleaders e agora isso. E, por favor, não é como se ele não soubesse: tudo acontecia debaixo dos olhos dele – só preferiu fazer vista grossa. Isso sem contar as falas depreciativas direcionadas a Dennis Greene, por ele ter sido um cheerleader homem na faculdade. Passou dos limites faz tempo, e não dá para o Goodell ignorar mais esse fato.

Emanuelle Freire
Capixaba, eletrotécnica e apaixonada pelo Flamengo, pelos Patriots e pelos Lakers, acredita que assiste mais esportes do que é saudável para um ser humano (mas, ainda assim, ela está aqui).

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