Caros amigos do No Flags, um belo dia eu abro o meu whatsapp e vejo essa mensagem do nosso querido editor-chefe da Turma da Tape.

E, ao clicar no link, eis o que me apareceu:

Pois é, meus queridos. Tarefa puxada.
Mas graças ao meu histórico de atleta, não tive complicações com o Coronavírus e pude trabalhar intensamente nisso durante essa quarentena. Espero que vocês gostem do resultado.

POR QUE ISAIAH SIMMONS?

Se você, assim como eu, não acompanha o College Football de perto, talvez esteja se perguntando:  “Mas o que o Simmons tem de tão especial para criar essa expectativa de uma revolução antes mesmo dele jogar sua primeira partida na NFL?”

A resposta curta seria essa aqui.

Na temporada 2019 do college Isaiah Simmons jogou mais de 100 snaps em 5 posições diferentes. Algo impensável para os LBs da NFL atual.
E não só jogou como jogou em altíssimo nível em todas elas.

Ou seja, a palavra que melhor define Isaiah Simmons é versatilidade.
Mas por que isso seria um diferencial tão importante e potencialmente revolucionário?

Para responder a essa pergunta vamos ter que dar uns passos atrás e entender algumas mudanças pelas quais a NFL tem passado ao longo dos últimos 20 anos em decorrência da predominância cada vez maior do jogo aéreo em detrimento do jogo corrido.

TEs e RBs COMO RECEBEDORES vs LBs LEVES E ATLÉTICOS

A explosão do volume de passes trouxe junto uma mudança no perfil dos RBs e TEs, que foram cada vez mais envolvidos nas jogadas aéreas, inclusive alinhando e percorrendo rotas como WRs.

Os pass catching TEs e RBs, velozes e ágeis, aos poucos se tornaram um grande diferencial esquemático para os ataques, levando enorme vantagem no confronto contra os LBs tradicionais, fortes e pesados para impedir o jogo corrido mas que não conseguiam acompanha-los em campo aberto.

As defesas perceberam a necessidade de se adaptar e com o passar dos anos os times da NFL passaram a valorizar LBs mais ágeis e atléticos, com capacidade de jogar bem em cobertura e assim competir em pé de igualdade com o novo perfil de RBs e TEs nas jogadas de passe.

Mas mesmo com essa evolução a vida dos LBs defendendo o jogo aéreo não é nada fácil.
Os melhores TEs, como Travis Kelce e George Kittle, e RBs, como Alvin Kamara e Christian McCaffrey, se movem praticamente como WRs, colocando uma pressão enorme nos LBs que precisam marca-los.
Muitas vezes o único jeito é apelar para soluções extremas.

https://twitter.com/Endzone51/status/1248766187686825984?s=20

Por esse motivo em 2014 o Arizona Cardinals resolveu ser ainda mais agressivo e draftou um safety, Deone Bucannon, na 27ª posição do primeiro round para usá-o como LB em jogadas de 3ª descida.

Alguns anos antes seria completamente impensável um jogador pesando apenas 211lbs alinhar como Inside Linebacker, uma posição que nos anos 2000 era reservada para jogadores acima de 250lbs, como Ray Lewis ou Brian Urlacher. E mesmo em 2014 a maior parte da liga ainda olhava com bastante desconfiança para essa possibilidade.
Mas o sucesso da iniciativa dos Cardinals animou outros times e no ano seguinte o Los Angeles Rams tentou a mesma adaptação, mudando com sucesso Mark Barron de safety para LB.

Uma nova tendência estava a caminho e nos anos seguintes diversos times começaram a cobiçar os LBs extremamente ágeis e leves do futebol universitário.
Jogadores como Deion Jones, Roquan Smith e Darius Leonard, que algumas décadas atrás provavelmente seriam vistos como leves demais para o nível profissional, agora passavam a ser vistos como o futuro da posição de LB na NFL.

11 PERSONNEL vs BIG NICKEL

Outra mudança que afetou a posição de LB foi o crescimento vertiginoso do alinhamento 11 personnel (11 = 1RB e 1TE; portanto, 3 WRs).

O uso de 11 personnel não é algo novo.
A idéia do ataque ao colocar 3 WRs em campo é usar um deles na posição de slot (slot é o espaço entre a linha ofensiva e o WR próximo da lateral), e com isso forçar a defesa a ter um dos LBs marcando o slot WR, num confronto extremamente vantajoso para o ataque.

Mas até então era uma estratégia usada esporadicamente.
A grande mudança aconteceu quando os ataques perceberam que slot WRs pequenos, mas muito ágeis lateralmente, eram perfeitos para explorar os espaços nas defesas em marcação por zona, como Tampa 2 e Zone Blitz, muito comuns na primeira metade dos anos 2000.
O ataque dos Patriots de 2007, um dos melhores da história e o primeiro da NFL a alinhar predominantemente no Shotgun, foi provavelmente o principal responsável por popularizar essa tendência, com seu slot WR, Wes Welker, liderando a liga em número de recepções (feito que ele repetiria mais 2 vezes nos 4 anos seguintes).

Vendo o sucesso dos Patriots vários times começaram a replicar a estratégia. E como geralmente acontece na NFL, essa mudança tática desencadeou uma disputa de xadrez entre os ataques e as defesas. 

As defesas responderam a esse uso crescente do 11 personnel com a popularização da defesa em Nickel (5 defensive backs), em que um dos LBs é substituído por um 3º CB, a fim de marcar o slot WR com um jogador que possa acompanhar a velocidade e agilidade do recebedor.  
E como o 11 personnel atualmente é usado em quase 60% das jogadas a defesa em Nickel passou a ser a formação defensiva mais frequente na NFL.

No entanto, por ter um LB a menos em campo a defesa em Nickel acaba sendo mais vulnerável ao jogo corrido.
Então alguns coordenadores ofensivos inovaram, e inteligentemente começaram a alinhar WRs maiores na posição de slot, com capacidade para ajudar nos bloqueios do jogo corrido. É o Big Slot.

O Big Slot permitiu aos ataques manter a vantagem no jogo aéreo, especialmente quando o slot WR é marcado por um LB, e ao mesmo tempo criou uma nova vantagem no jogo corrido quando que a defesa opta por alinhar em Nickel.

E nesse jogo de gato e rato como as defesas responderam ao Big Slot?

O que temos visto nas últimas temporadas é um rápido crescimento do Big Nickel, em que as defesas mantém a opção por 5 defensive backs, mas com 3 Safeties em vez de 3 CBs.
Com um safety defendendo o slot a defesa passa a ter próximo à linha de scrimmage um jogador mais forte, com condições para ajudar a conter o jogo corrido, mas ao mesmo tempo com velocidade e agilidade suficientes para fazer a cobertura de WRs e TEs.

Os principais destaques da NFL na posição de Big Nickel nos últimos anos foram Patrick Chung no New England Patriots, Malcolm Jenkins no Philadelphia Eagles, e Tyrann Mathieu draftado pelo Arizona Cardinals e atualmente no Kansas City Chiefs.  Os 3 foram os únicos safeties em toda a liga que nos últimos 4 anos enfrentaram ao menos 50 passes em marcação homem a homem quando alinhados na posição de slot.

E, não coincidentemente, nesses mesmos 4 anos um deles sempre terminou a temporada como campeão do Super Bowl.

OS DEFENSORES HÍBRIDOS E O EFEITO NBA

A NBA passou por uma tremenda mudança tática ao longo da última década depois que estudos estatísticos demonstraram que, para maximizarem sua pontuação no ataque, os times deveriam priorizar bandejas e bolas de 3 pontos em detrimento dos arremessos de média distância para 2 pontos.

E para se adequar a essa estratégia alguns times passaram a abrir mão de força e tamanho, preferindo jogadores menores e mais rápidos, e com maior precisão no arremesso de 3 pontos.  Foi a revolução do “Small Ball”, e que teve um impacto profundo na dinâmica do jogo.

Com o uso frequente do pick and roll esses jogadores mais ágeis se viam frequentemente em confrontos diretos contra Centers e Power Forwards pesados e lentos que eram facilmente driblados no caminho para a bandeja, ou precisavam recuar muito para proteger o garrafão, cedendo assim arremessos totalmente livres de 3 pontos.
Ou seja, a defesa ficava vulnerável exatamente nas duas situações de jogadas mais valiosas para o ataque.

Para responder ao Small Ball os times da NBA começaram a valorizar o perfil de alas super atléticos que tivessem flexibilidade para marcar diferentes posições. Jogadores rápidos o suficiente para acompanharem armadores velozes, e ao mesmo tempo fortes o suficiente para não serem atropelados fisicamente por Power Forwards e Centers. Com isso a defesa poderia executar a troca da marcação durante o pick and roll sem ficar vulnerável.

Da mesma forma essa mudança vem ocorrendo na NFL.

Como pudemos ver, existe cada vez menos uma distinção clara entre o papel do safety e do linebacker na NFL atual. Tanto que na última temporada 5 LBs tiveram mais de 100 snaps em cobertura na posição de slot, enquanto que 7 safeties tiveram mais de 40 tackles defendendo o jogo corrido.

Assim como na NBA, hoje um dos perfis mais cobiçados pelos times da NFL também é o do defensor híbrido, alguém capaz executar diferentes funções em alto nível:
– cobrir o fundo do campo como um Safety
– defender passes curtos e intermediários como um slot CB
– ajudar no jogo corrido e avançar na blitz no QB como um LB

Basicamente o que os times da NFL querem é a sua versão dos alas super atléticos da NBA: 
Jogadores ágeis e rápidos o suficiente para acompanharem WRs, RBs e TEs no jogo aéreo, mas ao mesmo tempo fortes o suficiente para encararem os bloqueios dos jogadores de Linha Ofensiva no jogo corrido.

Uma demonstração clara dessa valorização foi dada no ano passado, quando os LBs Devin White e Devin Bush foram selecionados entre as 10 primeiras escolhas no draft.

O novo técnico do Washington Redskins, Ron Rivera, falou no Combine desse ano sobre essa tendência e a relevância dos jogadores híbridos:
“Eu acredito nisso. Eu acho que é importantíssimo. Shaq Thompson (LB dos Panthers, treinado pelo Rivera por 5 temporadas) foi um grande exemplo. Ele foi um cara que podia jogar no slot para você, acompanhar os recebedores, e ao mesmo tempo, recuar no box defensivo e jogar na posição de middle linebacker. Isso é um jogador valioso. É o tipo de jogador pelo qual você procura no draft. Um cara que tenha essa flexibilidade em termos de posição.”

E os jogadores que atualmente melhor representam essa flexibilidade posicional que os times da NFL desejam são:

 Jamal Adams, do New York Jets…

….e Derwin James, do Los Angeles Chargers.

CONCLUINDO: E O ISAIAH SIMMONS NISSO TUDO?

Agora que já vimos o potencial que o Isaiah Simmons oferece e a tendência para onde as defesas na NFL estão caminhando, podemos responder à pergunta inicial que deu origem a esse artigo:

Isaiah Simmons pode mesmo revolucionar a posição de LB? Ou melhor, ser o ponto alto de uma revolução que já está ocorrendo?

Como nós vimos essa revolução realmente já está em curso.
E o Isaiah Simmons pode se tornar o ponto mais alto desse processo?
Eu acredito que……..SIM!

Basicamente ele é a versão 3.0 do defensor híbrido.
A mesma flexiblidade posicional da versão 2.0 (Derwin James e Jamal Adams), mas numa embalagem ainda mais robusta:  5cm mais alto, 8cm a mais de envergadura e 10kg mais pesado.

Se ele conseguir atingir seu máximo potencial a comparação que eu faria do impacto que ele pode ter para as defesas da NFL é o mesmo que Lebron James teve para a NBA.

Calma. Calma. CALMA!!!

Eu não estou dizendo que ele vai ser o Lebron James da NFL, estou dizendo que ele chega na NFL com um POTENCIAL de impacto (para as defesas) similar ao do Lebron James quando chegou ao basquete profissional.

Lebron James sempre foi uma aberração atlética. Algo nunca antes visto na NBA.
Capaz de jogar em altíssimo nível em todas as posições de 1 a 4 (point guard, shooting guard, small forward e power forward ) e ainda quebrar um galho de Center em algumas jogadas se preciso.

E graças ao seu talento e potencial atlético finalmente a revolução do Small Ball alcançou o seu ponto mais alto.

Apesar do sucesso imediato na temporada regular, por muitos anos o Small Ball foi considerada uma estratégia com a qual não era possível vencer nos playoffs. No máximo algo que os times pudessem usar esporadicamente durante os jogos para quebrar o ritmo do adversário.

E isso só mudaria na temporada 2011-2012, quando o Big 3 do Miami Heat (Lebron James, Dwyane Wade e Chris Bosh) provou à NBA que era sim possível vencer com o Small Ball. E ainda repetiram a dose no ano seguinte.

E o impacto desse sucesso é claro na NBA atual.

Desde o título do Miami Heat em 2011-2012 o percentual de uso de dois “Bigs”, a tradicional formação com Center + Power Forward, caiu vertiginosamente por toda a NBA (linha NBA average), chegando a um nível próximo de zero na última temporada.

E agora com Isaiah Simmons podemos ver algo similar acontecer com as defesas da NFL.

Primeiro porque, assim como Lebron, Simmons também é uma aberração atlética.

E, assim como Lebron, graças a esse potencial atlético único, Simmons é capaz de jogar em altíssimo nível não só como LB, mas também em todas as posições da secundária (free safety, strong safety, cornerback e slot cornerback) e ainda quebrar um galho de DE em algumas jogadas se preciso.

Por isso, assim como Lebron foi o elemento que faltava para o Small Ball alcançar seu ápice na NBA, é bem possível que Isaiah Simmons possa ser a última peça no quebra-cabeça da revolução do defensor híbrido na NFL.

Lógico que, para isso realmente acontecer, muita coisa precisa dar certo.
Mas, assim como Lebron quando foi escolhido na primeira posição do draft em 2003, ao menos o talento natural e o potencial atlético já estão lá.

 Como disse Mike Mayock, GM do Las Vegas Raiders:
“Você começa a olhar jogadores do ataque que podem alinhar no slot, como RBs, como TEs, e não existe realmente um rótulo para eles. Eles são apenas jogadores dinâmicos, ou não são.” E continuou.  “Você quer marca-los homem a homem, e quem consegue acompanhar esse tipo de jogador? Eles são caras grandes que correm rápido. Quem nós temos? Então mais e mais as defesas por toda a liga estão perguntando ‘quem são os jogadores em que você não necessariamente coloca um rótulo, que são apenas jogadores de football dinâmicos ’. Isaiah Simmons já jogou na secundária. Ele já jogou como Linebacker, já alinhou partindo como Edge. E realmente, eu acho que as suas únicas limitações são as que um coordenador defensivo colocar nele.”

No próximo dia 23 de Abril Isaiah Simmons será um dos primeiros jogadores escolhidos no draft 2020. E então conheceremos o time em que ele começará a sua jornada na NFL.

Mas provavelmente ainda não saberemos por um bom tempo se ele realmente conseguirá atingir o máximo do seu potencial e fazer jus à imensa expectativa criada em torno do seu talento único.

Mesmo assim, eu certamente não me surpreenderia se daqui a alguns anos nós estivermos ouvindo o Rômulo berrar alucinado aos Domingos que o “Papai Isaiah roubou seu coração”.

Para mais textos da tuma da tape, acesse aqui.

Allan Basso
Torcedor do 49ers há 3 décadas. Já passei, entre outros, por Cody Pickett, Tim Rattay, Ken Dorsey, JT O’Sullivan, Shaun Hill e Blaine Gabbert, então não tenho dó de nenhuma torcida. Fascinado pela batalha tática da NFL e por entender os detalhes que determinam o sucesso cada jogada.

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